Há quase um mês, estou tentando descobrir quais vão ser os primeiros lugares a ficarem às escuras quando o sistema elétrico colapsar. Essa lista está no Plano de Corte Manual de Carga, em poder do Operador Nacional do Sistema Elétrico. Mas essa e várias outras informações relevantes sobre o setor elétrico me foram negadas pelo ONS, o que tem dificultado meus esforços para apurar os aspectos mais obscuros da crise energética que vivemos.
Talvez você não saiba, mas as distribuidoras de energia podem cortar a luz em pontos específicos das cidades para evitar um apagão. Quando ordenadas pelo ONS, elas têm cinco minutos para interromper a energia nesses locais. Quais são esses lugares e os critérios dessa escolha são claramente informações de interesse público que deveriam estar acessíveis a todos. Mas não é isso que acontece.
Em 1º de setembro, solicitei acesso aos planos, chamados de PCMCs, que foram entregues este ano pelas distribuidoras. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão respondeu no dia seguinte que “cada agente tem a sua estratégia de atuação e o ONS não as deixa público”. Insisti e perguntei se as distribuidoras enviavam os PCMCs para algum órgão público. A resposta foi que “somente o ONS recebe e arquiva e este documento não é divulgado”.
O que descobri até agora é que o setor elétrico é uma caixa preta – ela se abre apenas aos interesses econômicos das empresas que integram o sistema. Para a maioria dos consumidores, a transparência é desprezada. Cabe a nós apenas pagar todos os meses uma conta de luz cada vez mais cara, sem sequer termos o direito de entender o que está por trás dela.
O ONS é uma associação civil sem fins lucrativos criada numa lei de 1998 com a missão de coordenar a “operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN)” e de planejar “a operação dos sistemas isolados do país”. Embora o ONS seja uma pessoa jurídica de direito privado, é regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel, e é formado pelas empresas que produzem energia, pelos consumidores (pelo menos em tese) e pelo governo. Embora controle um serviço essencial para o Brasil e devesse ter compromisso com a transparência, o órgão não está sujeito à Lei de Acesso à Informação.
Para Fernando Umbria, engenheiro civil que atua na área há 25 anos, trabalhou por quatro anos na Aneel e atualmente é dono de uma consultoria em energia elétrica, “há informações de caráter reservado ao mercado, porque há empresas que têm seus interesses”. Ele acredita que o ONS não divulga os PCMCs “para não criar uma expectativa ruim” entre os consumidores e por se tratarem de “documentos de terceiros”.
Usinas estão proibidas de parar
Em julho, na tentativa de diminuir o risco de apagões e racionamento, o ONS fez um apelo para que todas as usinas, principalmente as termelétricas, adiassem ao máximo as manutenções programadas para o segundo semestre. Em uma carta enviada a uma geradora, segundo O Globo, o órgão diz que “a maximização das disponibilidades das usinas, especialmente nos meses de outubro e novembro” será fundamental para atender a capacidade energética do país.
É um pedido desesperado e arriscado, porque as térmicas não são preparadas para operar de forma ininterrupta, o que já está acontecendo, como forma de poupar as hidrelétricas nesse período de escassez de chuvas. Trabalhando acima do limite e sem paradas para manutenções, não é inesperado que elas entrem em colapso. Isso afetaria de forma preocupante o fornecimento de energia, pois são essas usinas que estão garantindo a geração elétrica – e o conserto delas pode levar semanas.
No dia 20, uma usina termelétrica no município de São João da Barra, no Rio de Janeiro, parou de funcionar porque apresentou problemas técnicos apenas quatro dias após entrar em operação. Ela era considerada fundamental para aumentar a oferta de energia e já deveria estar operando desde julho. No entanto, testes operacionais realizados em março indicaram que uma turbina a vapor estava danificada.
Será que essa usina estava realmente preparada para entrar em funcionamento ou o início da operação foi indevidamente apressado? As manutenções necessárias foram feitas? Não temos como saber, porque essas também são informações ocultas. No dia 15 de setembro, perguntei ao ONS quais manutenções nas usinas estavam previstas, quais foram de fato realizadas e quais foram adiadas.
Após solicitar mais detalhes sobre a minha pauta, inclusive quais fontes eu estava consultando, a resposta dada pelo órgão foi que “não tem no site essa informação”, algo que eu já sabia, pois havia feito todas as pesquisas possíveis.
Fiz as mesmas perguntas sobre as manutenções das usinas para vários órgãos públicos do setor elétrico, como a Aneel, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, e o próprio Ministério de Minas e Energia. A EPE respondeu que o prazo era muito curto para elaborar respostas. As informações, respondi, ainda seriam úteis na próxima semana. Já o ministério me orientou a procurar o ONS ou a Aneel. Nenhum deles, contudo, me deu respostas.
Fernando Umbria avalia que as instituições disponibilizam muitas informações em seus sites, mas a compreensão fica restrita aos especialistas e ao mercado, por se tratar de um tema complexo. Para a maioria dos brasileiros, o setor elétrico se resume às distribuidoras, ou seja, às empresas que receberam a concessão pública para fornecer a energia, como Eletrobras, Eletronorte ou CPFL. A maioria dos consumidores desconhece o que está por trás da geração, da transmissão, da regulação e da operação do sistema e que tipo de negociatas estão envolvidas nesse setor.
Embora a energia seja um serviço essencial fornecido por empresas que recebem uma concessão pública, os principais órgãos que compõem o setor elétrico não são transparentes. E, o mais grave, algumas informações ficam restritas a entidades não governamentais, como é o caso do ONS, que não tem obrigação de fornecer dados à população ou à imprensa.
No que depender daqueles que controlam as informações, continuaremos na ignorância. Mas eu sei que uma crise energética não é resultado apenas da falta de chuvas e quero investigar isso a fundo. Há poderosos que lucram com a crise, há processos ocultos que precisam ser descobertos, explicados de forma acessível e, claro, denunciados.
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