Aparecida de Goiânia

Pazuello e seu app criminoso – via Intercept Brasil

Exclusivo: conversamos com o criador da metodologia

 

Eu conversei com o criador do sistema de diagnóstico usado pelo TrateCov, o aplicativo do Ministério da Saúde que induzia médicos a receitar cloroquina e outros medicamentos – sem comprovação de eficácia contra a covid-19 – até mesmo a recém-nascidos e cachorros. Flavio Cadegiani me disse que ficou surpreso quando viu sua metodologia sendo aplicada pelo governo federal. Surpreso e feliz, em um primeiro momento. “Tudo o que eu queria era que qualquer governo usasse”, disse. Ele não previu as más notícias.

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Cadegiani é um médico endocrinologista que, com outros pesquisadores, publicou um artigo no qual defende um cálculo matemático capaz de diagnosticar a covid-19.

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Não é uma técnica nova. Esse tipo de esquema é usado para muitas doenças já conhecidas. Em resumo, cada sintoma (dor, febre, perda de paladar etc) recebe um valor numérico; somados, esses valores ajudam a diagnosticar doenças sem a necessidade de exames. Ganha-se agilidade e baixo custo.

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O governo federal, no entanto, deturpou o uso de sua fórmula, segundo Cadegiani. Em momento algum, o pesquisador e seus colegas imaginaram que a metodologia seria usada para receitar remédios. “A ideia é apenas entender se a pessoa está com a doença, ganhar velocidade para isolar essa pessoa e evitar que ela contamine outras”, explicou. Não foi o que se viu no TrateCov, do general da ativa Eduardo Pazuello.

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Na segunda-feira passada, nós criamos um paciente fictício no TrateCov. O aplicativo havia sido lançado pelo governo dias antes em meio ao horror dos mortos por falta de oxigênio em Manaus. Nosso paciente tinha dois sintomas: tosse seca e fadiga – o que pode ser, bem, até mesmo alguém engasgado com uma castanha de caju, que era precisamente o que eu estava comendo naquele momento. Saímos do sistema do Ministério da Saúde com um resultado positivo para covid-19 e indicação de medicação: Hidroxicloroquina 200mg, Difostato de Cloroquina 500mg, Ivermectina 6mg, Azitromicina 500mg, Doxiciclina 100mg e Sulfato de zinco.

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Depois que publicamos o vídeo, outras pessoas fizeram dezenas de simulações e o escândalo ganhou dimensão de crise. Quaisquer que fossem os sintomas ou a idade da pessoa simulada, a indicação de medicamentos era a mesma. O TrateCov foi, basicamente, um site para estimular a venda dos falsos milagres do governo Bolsonaro.

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Só de cloroquina, temos estoque para 18 anos. O Ministério Público investiga compras suspeitas. Teve gente ganhando muito dinheiro com isso. É preciso desovar os comprimidos.

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Pior: programadores descobriram que o TrateCov estava destinado a receitar, em seu código, sempre os mesmos medicamentos por princípio. Em tese, não era necessário nem mesmo preencher a ficha. Se o paciente simplesmente optasse pelo tal tratamento precoce, lá estavam elas: Hidroxicloroquina, Ivermectina, Azitromicina…

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Flavio Cadegiani critica o uso de sua metodologia pelo Ministério da Saúde. Diz que não foi consultado. Defende que ela só poderia ser usada em pacientes acima de 18 anos, o que não era o caso; que não poderia indicar nenhum tipo de medicamento; que não poderia exigir do paciente, que não quisesse o tal tratamento precoce, que justificasse seus motivos (como era pedido); que o sistema deveria ter sido liberado apenas para médicos; que o objetivo do diagnóstico era acelerar o isolamento das pessoas e evitar mais contágios, não medicá-las no atacado.

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Durante a conversa, Cadegiani fez questão de dizer que sua atuação “não é ideológica” e que, em alguns casos, tem “posições muito mais à esquerda” que as do governo. No entanto, o médico é próximo da presidência. Ele contraiu covid de uma assessora direta de Bolsonaro, a qual acompanhou em uma cirurgia. E esteve no Palácio do Planalto em novembro para apresentar seu estudo – ele afirma que não teve mais notícias depois daquele dia. Também é assíduo em lives que defendem Bolsonaro e o “tratamento precoce” (aquiaqui e aqui), com apresentadores que são costumeiros espalhadores de mentiras (12345). Um de seus colegas – pesquisador que co-assina o estudo que embasou o TrateCov –, o infectologista Ricardo Ariel Zimerman, virou notícia por compartilhar uma fake news contra o isolamento social. Cadegiani diz não se importar. “Eu falo onde me chamam”, ri, enquanto brinca com o apelido informal que recebeu nas redes: Dr. Cloroquiner.

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O médico não acredita em má-fé do governo, mas entende que, diante de toda a carga de decisões tomadas pelo Ministério da Saúde, o TrateCov entra como a cereja podre de um bolo estragado.

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Depois da nossa denúncia, o Ministério da Saúde tirou o aplicativo do ar alegando que o sistema foi “invadido e ativado indevidamente”. Ou seja: algum tipo de hacker desocupado teria posto o TrateCov no ar por motivos insondáveis.

E depois esse hacker teria usado as redes sociais do Ministério da Saúde para lançar o aplicativo (?).

E depois ele invadiu a TV Brasil (!!!) e fez uma reportagem sobre o lançamento do TrateCov (??)

E finalmente o hacker obcecado pelo TrateCov se fantasiou de Eduardo Pazuello em pessoa (!!!) e lançou o aplicativo em Manaus, em uma cerimônia ao vivo (???)

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Cadegiani disse que enviou uma lista com dezenas de sugestões para que o governo ajuste a desgraça (ele não usou essa palavra). Ele espera que o app volte a ser usado caso deixe de ser uma desgraça.

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A pessoa que mais trabalha nesse governo é o hacker imaginário do Pazuello.

Leandro Demori
Editor Executivo

Destaques

Waldemar

Waldemar Rego é jornalista formado pela Faculdade Araguaia com diploma reconhecido pela Universidade Federal de Goiás UFG com extensão na área de mídia e política no cinema, fotografia jornalística e publicitária, diversidade cultural da mulher na comunicação, comunicação em tempos de mídias sociais, identidade visual em peças publicitárias e no jornalismo. Waldemar Rego também é artista plástico escritor e poeta.

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